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13/10/2014
Padres tíbios


Moral - Padres tíbios
13/10/2014 15:25:33

Moral - Padres tíbios


      PADRES TÍBIOS
      A Selva – Santo Afonso

      A S. João mandou o Senhor, no Apocalipse, que escrevesse ao bispo de Éfeso estas palavras: Sei o bem que fazes; conheço os teus trabalhos pela minha glória, assim como a tua paciência nas fadigas do teu ministério. Em seguida, acrescenta: Mas, por outro lado, tenho a arguir-te de haveres esfriado no teu primitivo fervor. — Alguém dirá talvez: que grande mal havia nisso? — Escutai o que o Senhor ajunta ainda: Lembra-te donde caíste; faze penitência das tuas culpas, e cuida de voltar ao primitivo fervor, em que deves viver, como ministro meu; de contrário, serás reprovado por mim, como indigno do ministério, que te confiei.
      Como assim! Então a tibieza conduz a uma ruína tal? — Sim, a uma grande ruína, e o pior é que os tíbios não a conhecem, não a temem, não procuram evitá-la. Isto acontece sobretudo aos padres, cuja máxima parte vão esbarrar no escolho oculto da tibieza, e um grande número encontram nele a sua perdição.
      Escolho oculto: o que faz que os tíbios estejam expostos a grande risco de se perderem, é que a tibieza não deixa ver a uma alma o mal enorme que lhe causa. Muitos deles por certo não querem separar-se inteiramente de Jesus Cristo; querem segui-lo, mas de longe, como fez S. Pedro, quando o Redentor foi preso no jardim das Oliveiras.
      Procedendo, porém assim, caem facilmente na desgraça de Pedro, que apenas entrou na casa do Pontífice, a um simples remoque duma serva, renegou Jesus Cristo! Quem despreza as coisas pequenas vem a cair pouco a pouco nas grandes. O intérprete aplica este texto à alma tíbia, e diz que ela em breve perderá a devoção, e cairá depois, passando das faltas leves de que não se importava, às graves e mortais. Segundo Eusébio de Emeso, quem não teme ofender a Deus com pecados veniais, dificilmente se há de preservar dos pecados mortais. É com justiça, ajunta Sto. Isidoro, que o Senhor permite que quem não faz caso das faltas leves caia depois nas mais graves.
      Os pequenos excessos, quando são raros, não causam grave detrimento na saúde; mas, quando são frequentes e multiplicados, acabam por ocasionar doenças mortais. É o que diz Santo Agostinho: Evitais com cuidado as quedas graves, e não temeis às leves; não perdestes a vida sob a pedra enorme dalgum pecado mortal; mas tomai cautela não fiqueis esmagados debaixo dum montão de areia de pecados veniais.
      Ninguém ignora que só o pecado mortal dá a morte à alma e que os veniais, por mais numerosos que sejam, a não podem privar da graça, mas é preciso saber também o que diz S. Gregório: que o hábito de cometer faltas veniais, sem delas sentir remorso e sem pensar em corrigi-las, faz perder pouco a pouco o temor de Deus, e, uma vez perdido este temor, é fácil passar das faltas pequenas às grandes. Santo Doroteu ajunta: Se desprezarmos as faltas leves, periculum est ne in perfectam insensibilitatem deveniamus.
      Quem não se inquieta com as pequenas quedas, corre perigo de cair numa insensibilidade universal, que lhe faça perder o horror até às quedas mortais.
      Conforme o atesta o tribunal da Rota, Santa Teresa nunca caiu em nenhuma falta grave; contudo o Senhor lhe fez ver o lugar que lhe estava reservado no inferno, não porque ela o tivesse merecido, mas porque se teria condenado, se não tivesse sido arrancada a tempo, ao estado de tibieza em que vivera. Por isso o Apóstolo nos faz esta advertência: Não deis entrada ao demônio. Ao espírito das trevas basta-lhe que comecemos a abrir-lhe a porta do nosso coração, deixando entrar nele sem escrúpulo faltas leves; porque depois ele a saberá abrir de par em par por faltas graves. Cassiano escreveu: Quando algum cai, não imagineis que ele tenha chegado de repente à sua ru
ína. Não, quando soubermos que alguma pessoa, dada à vida espiritual, sucumbira enfim, não pensemos que o demônio a tenha lançado subitamente no abismo do mal: primeiro a fez cair no estado de tibieza e dali no precipício da inimizade de Deus. Assim, S. João Crisóstomo afirma ter conhecido muitas pessoas, adornadas de todas as virtudes, mas que, vindo a cair na tibieza, depois se precipitaram num abismo de vícios.
      Conta-se nas crônicas da Ordem de Santa Teresa que a venerável irmã Ana da Encarnação vira um dia uma alma condenada, que ela primeiro tivera por santa; viam-se-lhe unidos ao rosto muitos animais pequenos, imagens das numerosas faltas que na sua vida tinha cometido e de que não se havia importado. Alguns desses animálculos lhe diziam: “Foi por nós que começaste”; outros enfim: “Foi por nós que te perdeste”. Ao bispo de Laodicéia mandou dizer o Senhor: Conheço as tuas obras, e que não és frio nem quente.
      Tal é o estado dum tíbio, — nem frio, nem quente. Homem tíbio, diz Menóquio, é o que não ousa, de propósito deliberado, ofender a Deus mortalmente, mas que é negligente em se aperfeiçoar; por aí dá fácil entrada a todas as paixões.
      Um padre tíbio não é ainda manifestamente frio, porque não comete deliberadamente pecados mortais; mas afroixa em tender para a perfeição, a que o seu estado o obriga; não lança conta aos pecados veniais, e cada dia os comete em grande número sem escrúpulo: mentiras, intemperanças na comida e na bebida, imprecações, Ofício mal recitado, missa mal celebrada, maledicência contra todos, chocarrices inconvenientes. Vive na dissipação, no meio dos negócios e prazeres do século; alimenta desejos e apegos perigosos; cede à vanglória, ao respeito humano, aos melindres e ao amor próprio; não pode suportar a menor contrariedade, a menor palavra que o humilhe; vive sem oração e sem devoção.
      O Pe. Alvarez de Paz, falando dos defeitos e faltas da alma tíbia, exprime- se assim: O tíbio assemelha-se a um doente dominado de muitas moléstias pequenas que, sem lhe darem a morte por si mesmas, não lhe deixando nenhum descanso, acabam por lançá-lo em tal fraqueza, que ele vem a ser atacado por um mal grave, isto é, por uma tentação a que não pode resistir, e então a sua queda é profunda.
      Eis por que o Senhor, continuando a falar do tíbio, lhe diz: Oxalá foras frio ou quente! Mas porque és tíbio, e nem frio nem quente, apresso-me a lançar-te da minha boca. O que tem a desgraça de jazer no estado de tibieza, medite bem estas palavras e trema.
      Antes eu quereria, diz o Senhor, que fosses frio, isto é, privado da graça 346; porque haveria mais esperança para ti de saíres desse miserável estado, do que se permaneceres nele, onde ficas mais exposto a cair em vícios graves, sem esperança de emenda. É assim que Cornélio A-Lápide explica esta passagem. Segundo S. Bernardo, é mais fácil converter um leigo vicioso, que um eclesiástico tíbio; e Pereira ajunta que é mais fácil converter um infiel, que fazer sair um cristão da tibieza.
      E de fato, Cassiano afirma ter visto muitos pecadores a darem-se a Deus com fervor, mas nunca uma alma tíbia. S. Gregório não perde a esperança a respeito dum pecador não convertido, mas nada espera dum convertido que, depois de se ter dado a Deus com fervor, caiu na tibieza. Eis as suas palavras: “O que é frio, sem ter sido tíbio antes, deixa esperança; o tíbio porém não a deixa: porque pode esperar-se a conversão duma alma, que se encontra atualmente em estado de pecado; mas a que, depois da sua conversão, cai na tibieza, essa tira-nos a esperança de vermos voltar para Deus, no caso de se separar dele pelo pecado.
      Em suma, a tibieza é um mal quase incurável e desesperado. Eis a razão: para se poder evitar qualquer perigo, é necessário conhecê-lo; ora, o tíbio está engolfado numa tal obscuridade, que não chega mesmo a
conhecer o perigo em que se encontra. A tibieza é como a febre ética que mal se faz sentir. As faltas habituais em que o tíbio cai escapam-lhe à vista. As faltas graves, diz S. Gregório, por isso mesmo que se fazem conhecer melhor, corrigem- se mais depressa; mas as leves olham-se como nada, e continua-se a cometê-las; é assim que o homem se acostuma a desprezar as coisas pequenas, chegando por isso facilmente a desprezar também as grandes.
      Além disto, o pecado mortal causa sempre um certo horror, mesmo ao pecador habitudinário; mas, à alma tíbia, as suas imperfeições, os seus afetos desordenados, a sua dissipação, o seu apego ao prazer e à estima própria, nenhum horror lhe inspiram; e contudo essas pequenas faltas são para ela mais perigosas, pois que a conduzem à ruína, sem ela dar por isso; é o que nota o Pe. Alvarez de Paz.
      Dali esta célebre máxima de S. João Crisóstomo, — que “em certo sentido, devemos evitar com mais cuidado as faltas leves que as graves”. E a razão que o Santo dá é nós termos naturalmente horror às faltas graves, ao passo que as leves desprezamo-las, e por isso elas em breve se tornam graves. O pior é que as pequenas infidelidades, que se desprezam, tornam o homem pouco atento aos interesses da sua alma, e fazem que, uma vez lançado no hábito de não cuidar das faltas leves, venha a negligenciar também as mais graves.
      É a razão porque o Senhor nos Cânticos nos dá este aviso: Caçai as raposas pequenas que assolam a nossa vinha; porque a nossa vinha está em flor. Notai neste texto a palavra raposas = Vulpes; não nos diz o Senhor que cacemos os leões ou os tigres, mas as raposas. As raposas devastam as vinhas, pelas escavações numerosas, que fazem secar as raízes; dum modo semelhante, as faltas habituais extinguem a devoção e os bons desejos, que são as raízes da vida espiritual.
      Ajunta o texto — parvulas: caçai as raposas pequenas; — e porque não as grandes? É que das pequenas receia-me menos, e no entanto elas muitas vezes causam maior mal que as grandes; porque, como observa o Pe. Alvarez de Paz, as faltas pequenas, de que não se faz caso, impedem a chuva das graças divinas, sem as quais a alma permanece estéril, e acaba por se perder.
      Diz ainda o Espírito Santo: Porque a nossa vinha está em flor. Que fazem as faltas veniais multiplicadas, que não se aborrecem? Devoram as flores, isto é, abafam os bons desejos de adiantar na perfeição; e, desde que estes desejos venham a faltar, só se andará para trás, até que se caia nalgum precipício, donde só com grande dificuldade se possa sair.
      Terminemos a explicação do citado texto do Apocalipse. Mas porque sois tíbio, começarei a lançar-vos da minha boca. Quando uma bebida é fria ou quente, toma-se com prazer; mas, se é tépida, custa a tomar, porque provoca vômitos. É por isso que o Senhor faz esta ameaça ao tíbio: vou começar a lançar-te da minha boca, palavras que Menóquio comenta assim:
      Começa o tíbio a ser vomitado, quando, permanecendo na sua tibieza, começa a desgostar a Deus, até que enfim seja do todo rejeitado por ele no momento da morte, e para sempre separado de Jesus Cristo.
      Tal é o perigo que corre o tíbio de ser lançado, isto é, abandonado de Deus, sem esperança de regresso. É o que se significa pelo vômito, pois que se tem horror de tornar a ingerir o que uma vez se vomitou. É a explicação de Cornélio A-Lápide.
      Como é que o Senhor começa a vomitar um sacerdote tíbio? Cessa de lhe fazer os seus convites amorosos, e é o que significa propriamente ser vomitado da boca de Deus; retira-lhe as consolações interiores, os santos desejos, de modo que esse desgraçado se encontra privado de unção espiritual.
      Irá para a oração, mas com aborrecimento, dissipação e tédio; assim, pouco a pouco será levado a deixá-la. Depoi
s nem mesmo se recomendará a Deus, e, sem oração, cada vez se tornará mais miserável, irá de mal a pior. Celebrará a missa, recitará o Ofício, mas com mais detrimento do que fruto; fará tudo à sobreposse, por força ou sem devoção. Esmagareis as azeitonas e não nos podereis ungir com azeite, diz o Senhor: quer dizer, que no meio dos exercícios mais próprios para produzirem o azeite da devoção, vós permanecereis privado de toda a unção. Celebrar a missa, recitar o Ofício, pregar, ouvir confissões, assistir aos moribundos, tomar parte nos funerais, — são exercícios que deviam aumentar o fervor; apesar de tudo isso, permanecereis árido, sem paz, dissipado, vítima de mil tentações. Eis como Deus começa a vomitar o tíbio.





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