Porto Belo, SC, 02 de Abril de 2021
O Inferno
Como sempre, eu estava na Capelinha rezando.
Hoje, às cinco horas quando eu já havia feito algumas orações, o diabo se apresentou ao meu lado.
A principio até me conseguiu assustar, pois não esperava isso, mas em seguida me acalmei:
- Tu não me amedrontas mais! Eu já te conheço!
E numa rizada estrondosa de escárnio, com seus horrorosos dentes expostos, disse:
- Ainda vais me pagar!
Levantei-me e pus-me a abrir o Sacrário...
Saiu! Às pressas, quase correndo arrastando seu “rabo” liso, sem pelos que se afinava como uma agulha, mas que mais se parecia a uma centopeia ou sei lá qual o nome daquela minhoca nojenta que às vezes a gente encontra no quintal.
Saiu rosnando, falando imprecauções, exalando ódio e fedor... Mas saiu.
A Capelinha passou a exalar novamente o perfume celeste!
- Até quando? Até quando meu Deus, eu terei de aturar isto?
- Até quando viveres! Mas sempre poderás vencê-lo!
- Sendo assim, eu gostaria de enfrenta-lo a fim de salvar um amigo meu!
- Teu amigo está condenado e já começa a pagar no inferno!
- Já? E não há nada que eu possa fazer? Ele é tão mau assim?
- Sua língua era má! Seus escritos eram muito maus! Brotavam de um coração que odiava e que ansiava por vingança enquanto, muito oportunamente, se fazia passar por bom...
- Jesus, tem como tirá-lo de lá?
Eu sei que: “Se tu queres podes salva-lo!”
- Mas ele escolheu o caminho...
- Eu vou tirá-lo de lá, Jesus!
- Eu sei que não gostas de ver ninguém no Purgatório e por isso lutas para libertar a todos, mas do inferno? Não podes tirá-lo de lá!
- Mesmo assim vou tentar! Ele é meu amigo, sabes? E meus amigos não podem sofrer.
E já às portas do inferno, disse ao guardião para abri-la. A resposta foi uma rizada estrondosa, sarcástica:
- Tu ainda não morreste!
- Não! E por isso tenho condições de salvar as pessoas!
- É verdade! Isto é verdade! Mas só entras se conseguires abrir a porta!
E percebi as fortes correntes atadas com cadeados que pareciam ter dois metros de espessura.
- De fato, ninguém pode entrar ali!
- Só se quiseres! Só se escolheres este caminho... Só se quiseres!
E num barulho ensurdecedor, a porta se abriu acompanhada da já conhecida risada sarcástica do porteiro, que se espalhava por planícies e montanhas fazendo que tudo estremecesse!
Entrei e já senti o ar fétido, o fedor de carne podre a se espalhar por todo aquele imenso e escuro ambiente.
E por toda parte – pelo chão ou sobre pedras – corpos descarnados, gritavam suas dores atrozes e seus desesperos por não poderem fazer nada que os pudessem aliviar.
E o barulho infernal, produzido como que, por latidos de cães raivosos, por rugidos de leões, por grunhidos de porcos, arrebentavam os meus tímpanos e o insuportável fedor da sujeira causada por excrementos destes animais e dos condenados, atingia meu olfato fazendo-me quase desmaiar.
Além de berros e podridão comecei a ser esbofeteado, espancado, por várias vezes derrubado no chão e pisado por imundos pés que me pressionavam no intuito de me tirar as forças.
E quase conseguiram! Comecei a desfalecer! A fraqueza tomou conta de mim! O nojo tomava conta de mim!
- Vem cá – diziam alguns – vem ver as pessoas que conheceste e que na verdade, agora são monstros...
E as gargalhadas me atingiam como setas a arrebentarem a minha alma! E me lembrei da seta que um dia Nossa Senhora havia mencionado:
- És uma seta que aponta para o Céu!
E agora eu sabia: Ser seta não é fácil! É preciso ultrapassar as barreiras, seguir sempre em frente não desviando-se de modo nenhum da rota a fim de atingir o alvo!
Era então preciso seguir adiante.
Eu levantava, caia e me pisavam; levantava novamente e novamente caia e me pisavam...
- Se caíres, caia de joelhos! Me lembrei desta frase que ouvira a tantos anos e então pedi a ajuda do Céu!
Aos “trancos e barrancos”, eu caminhava...
- Vem ver os “amigos”, gritavam...
- Eu não quero ver os condenados, nem misturar-me com eles... Eu quero apenas seguir a Missão!
Eu seguia em frente, embora machucado, quebrado, flechado, apedrejado, escarnecido, quase em forças, cambaleante... Eu seguia em frente!
E logo me deparei com um alto-forno com uma caldeira a derreter o aço. Já de longe o calor era insuportável e o aço que caía lá na frente, derretido, também mostrava o calor impossível de se suportar.
Quiseram me colocar dentro da caldeira...
- Vocês não podem fazer isto comigo! Preciso cumprir a minha Missão!
- Não vais conseguir! Daqui ninguém sai vivo!
E me jogaram na fornalha incandescente, onde o aço se transformaria em liquido em brasa... ou brasa em líquido!
No momento em que me jogavam nos altos-fornos, tive tempo de dizer a Deus:
- Senhor, se minha alma tiver alguma utilidade, receba-a, por favor!
Um segundo depois, eu estava no meio do lamaçal de aço derretido... Intacto!
Levantei-me e pus-me a caminhar e surpreso, percebi: Os diabos e todos os que ali estavam faziam agora silencio total e suas bocas escancaradas e olhos arregalados demonstravam surpresa: Estavam estupefatos e inertes...
O silêncio era sepulcral eu mesmo não sabia o que estava acontecendo!
E logo em seguida vi o meu amigo que me olhava também com ares de surpresa sem saber o que acontecia, fascinado pela visão... Estendi as mãos a ele, mas sem dar atenção saiu correndo em direção à porta dizendo:
- “O alto-forno te purificou... te iluminou!
Nenhum demônio se movia! Nenhum dos condenados se movia! Todos me fitavam extasiados e como que, com medo e com uma certa reverencia!
Eu caminhei de volta a passos normais e pude ver o meu amigo de longe, quando já passava pela porta sem ser perturbado pelo porteiro. E eu também saí, passando diante do agora estupefato e inerte porteiro!
Destinei meus passos à casa do amigo e quando já estava próximo, alguém me veio ao encontro:
- Cláudio, teu amigo está morrendo! Está no último suspiro!
- Não! Ele não está morto. Agora vive... Com Deus! Amem?
(Não desejo mais ir ao inferno! Acho que não terei mais forças, mas também não poderei ver meus amigos ou familiares a caminho dele, pois isso me faria ter que voltar para lá)
O inferno existe!
E os que escolheram tal lugar, agora não podem voltar atrás!
E quantos procuram o inferno!
Este meu amigo ainda não estava morto: Estava na sua última agonia! Chegando ao inferno!
Ao passar pelo inferno, percebi que muitos dos condenados que lá estavam, viveram sua vida fazendo o mal, e devo dizer ainda, mencionando uma palavra de um grande amigo nosso:
“ Há pessoas tão más, que até fazem coisas piores do que as que os demônios fazem!”
Amém!
Cláudio Heckert