Patrística - Catequese Mistagógica - V
31/03/2008 00:30:28
Patrística - Catequese Mistagógica - V
Por São Cirilo de Jerusalém (315-386)
Quinta Catequese Mistagógica e leitura da epístola católica de Pedro: «Despojai-vos, pois, de toda malícia e falsidade e maledicência» , etc.
A Celebração Eucarística
1 Pela benignidade de Deus, ouvistes de maneira suficiente, nas reuniões precedentes, sobre a batismo, a crisma e a participação do corpo e sangue de Cristo. Mas agora é necessário ir adiante, para coroar o edifício espiritual de vossa instrução.
2 Vistes o diácono oferecer água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar de Deus para lavarem-se. Não a deu, absolutamente, por causa da sujeira corporal. Não é isso. Pois com o corpo sujo nem sequer teríamos entrado na igreja. Mas lavar as mãos é símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e de todas as faltas. Já que as mãos são símbolo das obras, lavamo-las, indicando evidentemente a pureza e a irrepreensibilidade das obras. Não ouviste como o bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério ao dizer: «Lavarei as mãos entre os inocentes e andarei ao redor do teu altar, Senhor»? Então, lavar as mãos é estar limpo de pecado.
3 Depois o diácono proclama: «Acolhei-vos mutuamente e dai-vos o ósculo da paz». Não suponhas que este ósculo seja como os que os amigos íntimos se dão na praça pública. Este ósculo não é assim. Mas este ósculo une as almas entre si e é para elas penhor de esquecimento de todos os ressentimentos. É sinal de que as almas se unem e afastam toda lembrança de toda injúria. Por isso Cristo disse: «Quando fores apresentar uma oferta perante o altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem algo contra ti, deixa ali a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois volta para apresentar a tua oferta». Então, o ósculo é reconciliação, e é por esta razão que é santo, como o bem-aventurado Paulo o proclama alhures: «Saudai-vos uns aos outros no ósculo santo». E Pedro: «Saudai-vos uns aos outros no ósculo de caridade».
Introdução à anáfora
4 Depois disso o sacerdote proclama: «Corações ao alto!» Verdadeiramente, nesta hora mui tremenda, é preciso ter o coração no alto, junto de Deus, e não embaixo, na terra, nas coisas terrenas. Com autoridade, pois, o sacerdote ordena que nesta hora se abandonem todas as preocupações da vida e os cuidados do-mésticos e que se tenha o coração no céu, junto ao Deus benevolente. Vós então respondeis: «Já os temos no Senhor!» assentindo à ordem por causa do que confessais. Ninguém esteja presente dizendo apenas com a boca: «Nós os temos no Senhor», tendo a mente voltada para as preocupações da vida. Sempre devemos estar lembrados de Deus. Se isso é impossível pela fraqueza humana, naquela hora isto é o que mais deve ser procurado.
5 Depois diz o sacerdote: «Demos graças ao Senhor». Deveras, devemos agradecer-lhe, porque sendo indignos chamou-nos a tamanha graça que nos reconciliou, sendo seus inimigos, e nos fez dignos da adoção do Espírito.6 E vós dizeis: «É digno e justo». Pois quando damos graças nós fazemos algo digno e justo. Ele nos beneficiou não com a justiça, mas além de toda justiça, fazendo-nos dignos de grandes bens.
Anáfora, prece de louvor
6 Depois disso mencionamos o céu, a terra e o mar, o sol e a lua, os astros, toda criatura racional e irracional, visível e invisível, os anjos e arcanjos, as virtudes, dominações, principados, potestades, tronos, os querubins de muitas faces e, com vigor, dizemos com Davi: «Celebrai comigo o Senhor». Lembramo-nos ainda dos serafins, que Isaías, no Espírito Santo, contemplava. Estavam colocados em círculo ao redor do trono de Deus. Com duas asas cobriam o rosto, com outras duas os pés, e com mais duas voavam e diziam: «Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos».9 Por isso recitamos essa doxologia que nos foi transmitida pelos serafins, para que neste canto nos associemos aos exércitos celestes.
Epiclese
7 Depois de santificados por esses hinos espirituais, suplicam
os ao Deus benigno que envie o Espírito Santo sobre os dons colocados, para fazer do pão corpo de Cristo e do vinho sangue de Cristo. Pois tudo o que o Espírito Santo toca é santificado e transformado.
Intercessões
8 Em seguida, realizado o sacrifício espiritual, o culto incruento, em presença dessa vítima de propiciação, invocamos a Deus pela paz comum das igrejas, pelo bem-estar do mundo, pelos imperadores, pelos exércitos e aliados, pelos doentes, pelos aflitos e, em geral, todos nós rezamos por todos aqueles que têm necessidade de socorro e oferecemos essa vítima.
9 Depois fazemos menção dos que adormeceram, primeiro dos patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, para que Deus, por suas preces e intercessão, aceite nossa súplica. Depois ainda rezamos pelos santos padres, bispos adormecidos e, enfim, por todos os que nos precederam, persuadidos de que será de máximo proveito para as almas, pelas quais a súplica é elevada ante a santa e tremenda vítima.
10 E quero persuadir-vos com um exemplo. Sei que muitos dizem: Que aproveita à alma que parte deste mundo com faltas ou sem elas, se é mencionada na oferenda [eucarística]? Porventura, se um rei banisse aos que se rebelaram contra ele, e se em seguida seus companheiros, trançando uma coroa, a presenteiam ao rei em favor dos condenados, não lhes concederá a remissão dos castigos? Do mesmo modo nós também, apresentando a Deus as súplicas pelos adormecidos, embora tenham sido pecadores, nós não trançamos uma coroa, mas apresentamos o Cristo imolado por nossos pecados, tornando propício em favor deles e em nosso o Deus benigno.
O "Pater"
11 Depois disso, tu dizes aquela oração que o Salvador transmitiu aos discípulos, atribuindo a Deus, com pura consciência, o nome de Pai e dizes: «Pai nosso, que estás nos céus». Ó incomen-surável benignidade de Deus! Aos que o tinham abandonado e jaziam em extremos males, é concedido o perdão dos males e a participação da graça, a ponto de ser invocado como Pai. Pai nosso que estás nos céus. Os céus poderiam bem ser os que portam a imagem do celestial, nos quais Deus habita e vive.
12 «Santificado seja teu nome». Santo é por natureza o nome de Deus, quer o digamos ou não. Mas uma vez que naqueles que pecam por vezes é profanado, segundo o que se diz: «Por vós meu nome é continuamente blasfemado entre as nações», oramos que em nós o nome de Deus seja santificado. Não que por não ser santo chegue a sê-lo, mas porque em nós ele se torna santo quando nos santificamos e praticamos obras dignas de santificação.
13 «Venha o teu reino». É próprio de uma alma pura dizer com confiança: «Venha o teu reino». Quem ouviu Paulo dizer: «Que o pecado não reine em vosso corpo mortal» e se purificar em obra, pensamento e palavra, dirá a Deus: «Venha o teu reino».
14 «Seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra». Os divinos e bem-aventurados anjos de Deus fazem a vontade de Deus, como Davi dizia no salmo: «Bendizei ao Senhor, todos os seus anjos, heróis poderosos, que executais sua palavra». Rezando, pois, com vigor, dize isto: como nos anjos se faz a tua vontade, Senhor, assim na terra se faça em mim.
15 «Nosso pão substancial dá-nos hoje». O pão comum não é substancial. Mas este pão é substancial, pois se ordena à substância da alma. Este pão não vai ao ventre nem é lançado em lugar escuso mas se distribui sobre todo o organismo, em proveito da alma e do corpo. O «hoje» equivale a dizer de «cada dia» , como também dizia Paulo: «Enquanto perdura o hoje».
16 «E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores». Temos muitos pecados. Caímos, pois, em palavra e em pensamento e fazemos muitas coisas dignas de condenação. «E se dissermos que não temos pecado, mentimos», como diz João. Fazemos com Deus um pacto pedindo-lhe nos perdoe nossos pecados como também nós perdoamos ao próximo suas dívidas. Tendo presente, portanto, o que recebemos em troca do que damos, não sejamos negligentes, nem deixemos de perdoar uns aos outros. As ofensas que se
nos fazem são pequenas, simples, fáceis de reconciliar. As que nós fazemos a Deus são enormes e temos necessidade só de sua benignidade. Cuida, então, que por faltas pequenas e simples contra ti não te excluas do perdão, por parte de Deus, dos pecados gravíssimos.
17 «E não nos induzas em tentação», Senhor. Porventura com isto o Senhor nos ensina a pedir que de modo algum sejamos tentados? Como se encontra em outro lugar: «Aquele que foi tentado não tem experiência» e ainda: «Tende por suma alegria, meus irmãos, se cairdes em diversas provações»? Mas jamais entrar em tentação é o mesmo que ser submerso por ela. A tentação, pois, se assemelha a uma torrente difícil de atravessar. Os que, então, não são submersos nas tentações, atravessam, como bons nadadores, sem serem arrastados pela corrente. Os que não são assim, uma vez que entram, são submersos. Assim, por exemplo, Judas, entrando na tentação da avareza, não passou a nado, mas, submergindo, afogou-se corporal e espiritualmente. Pedro entrou na tentação de negação, mas, tendo entrado, não submergiu; antes, nadando com vigor, se salvou da tentação,
Escuta novamente, em outro lugar, o coro dos santos todos rendendo graças por terem sido subtraídos à tentação: «Tu nos provaste, ó Deus, acrisolaste-nos como se faz com a prata. Dei-xaste-nos cair no laço; carga pesada puseste em nossas costas; submeteste-nos ao jugo dos tiranos. Passamos pelo fogo e pela água, mas tu nos conduziste ao refrigério». Tu os vês falar abertamente de sua travessia sem serem vencidos? «Tu nos conduziste ao refrigério». Chegar ao refrigério é ser livrado da tentação.
18 «Mas livra-nos do Mal». Se a expressão «não nos induzas em tentação» significasse não sermos de modo algum tentados, não se diria: «Mas livra-nos do Mal». O Mal é o demônio, nosso adversário, do qual pedimos ser libertos.
Depois, terminada a prece, dizes: «amém», selando com este amém ? que significa «faça-se» ? o que se contém na oração ensinada por Deus.
Comunhão
19 Depois disso, diz o sacerdote: «As coisas santas aos santos». As coisas são as oferendas aí colocadas, pois receberam a vinda do Espírito Santo. Santos sois também vós, julgados dignos do Espírito Santo. As coisas santas, então, convêm aos santos. Em seguida vós dizeis: «Um é o santo, um o Senhor, Jesus Cristo». Verdadeiramente um é o santo, santo por natureza. Nós, porém, se santos, o somos não pela natureza, mas pela participação, ascese e prece.
20 Depois dessas coisas, ouvis o cantor que, com uma melodia divina, vos convida à comunhão dos santos mistérios, dizendo: «Provai e vede como o Senhor é bom». Não confieis o julgamento ao gosto corporal, mas à fé inabalável. Pois provando não provais pão e vinho, mas o corpo e sangue de Cristo que aqueles significam.
21 Ao te aproximares [da comunhão], não vás com as palmas das mãos estendidas, nem com os dedos separados; mas faze com a mão esquerda um trono para a direita como quem deve receber um Rei e no côncavo da mão espalmada recebe o corpo de Cristo, dizendo: «Amém». Com segurança, então, santificando teus olhos pelo contato do corpo sagrado, toma-o e cuida de nada se perder. Pois se algo perderes é como se tivesses perdido um dos próprios membros. Dize-me, se alguém te oferecesse lâminas de ouro, não as guardarias com toda segurança, cuidando que nada delas se perdesse e fosses prejudicado? Não cuidarás, pois, com muito mais segurança de um objeto mais precioso que ouro e pedras preciosas, para dele não perderes uma migalha sequer?
22 Depois de teres comungado o corpo de Cristo, aproxima-te também do cálice do seu sangue. Não estendas as mãos, mas inclinando-te, e num gesto de adoração e respeito, dize «amém». Santifica-te também tomando o sangue de Cristo. E enquanto teus lábios ainda estão úmidos, roça-os de leve com tuas mãos e santifica teus olhos, tua fronte e teus outros sentidos. Depois, ao esperares as orações [finais], rende graças a Deus que te julgou digno de tamanhos mistérios.
23 Conservai inviolavelmente essas tradições e vós mesmos guardai-vos sem
ofensa. Não vos separeis da comunhão nem pela mancha do pecado vos priveis desses santos e espirituais mistérios. «O Deus da paz santifique-vos completamente. Conserve-se inteiro o vosso espírito, e a vossa alma e o vosso corpo sem mancha, para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo», a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
Tradução: fr. Frederico Vier, O.F.M.
Fonte: www.padresdodeserto.net
Formatação: Maria
31/03/2008 00:30:28
Patrística - Catequese Mistagógica - V
Por São Cirilo de Jerusalém (315-386)
Quinta Catequese Mistagógica e leitura da epístola católica de Pedro: «Despojai-vos, pois, de toda malícia e falsidade e maledicência» , etc.
A Celebração Eucarística
1 Pela benignidade de Deus, ouvistes de maneira suficiente, nas reuniões precedentes, sobre a batismo, a crisma e a participação do corpo e sangue de Cristo. Mas agora é necessário ir adiante, para coroar o edifício espiritual de vossa instrução.
2 Vistes o diácono oferecer água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar de Deus para lavarem-se. Não a deu, absolutamente, por causa da sujeira corporal. Não é isso. Pois com o corpo sujo nem sequer teríamos entrado na igreja. Mas lavar as mãos é símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e de todas as faltas. Já que as mãos são símbolo das obras, lavamo-las, indicando evidentemente a pureza e a irrepreensibilidade das obras. Não ouviste como o bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério ao dizer: «Lavarei as mãos entre os inocentes e andarei ao redor do teu altar, Senhor»? Então, lavar as mãos é estar limpo de pecado.
3 Depois o diácono proclama: «Acolhei-vos mutuamente e dai-vos o ósculo da paz». Não suponhas que este ósculo seja como os que os amigos íntimos se dão na praça pública. Este ósculo não é assim. Mas este ósculo une as almas entre si e é para elas penhor de esquecimento de todos os ressentimentos. É sinal de que as almas se unem e afastam toda lembrança de toda injúria. Por isso Cristo disse: «Quando fores apresentar uma oferta perante o altar, e ali te lembrares de que teu irmão tem algo contra ti, deixa ali a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois volta para apresentar a tua oferta». Então, o ósculo é reconciliação, e é por esta razão que é santo, como o bem-aventurado Paulo o proclama alhures: «Saudai-vos uns aos outros no ósculo santo». E Pedro: «Saudai-vos uns aos outros no ósculo de caridade».
Introdução à anáfora
4 Depois disso o sacerdote proclama: «Corações ao alto!» Verdadeiramente, nesta hora mui tremenda, é preciso ter o coração no alto, junto de Deus, e não embaixo, na terra, nas coisas terrenas. Com autoridade, pois, o sacerdote ordena que nesta hora se abandonem todas as preocupações da vida e os cuidados do-mésticos e que se tenha o coração no céu, junto ao Deus benevolente. Vós então respondeis: «Já os temos no Senhor!» assentindo à ordem por causa do que confessais. Ninguém esteja presente dizendo apenas com a boca: «Nós os temos no Senhor», tendo a mente voltada para as preocupações da vida. Sempre devemos estar lembrados de Deus. Se isso é impossível pela fraqueza humana, naquela hora isto é o que mais deve ser procurado.
5 Depois diz o sacerdote: «Demos graças ao Senhor». Deveras, devemos agradecer-lhe, porque sendo indignos chamou-nos a tamanha graça que nos reconciliou, sendo seus inimigos, e nos fez dignos da adoção do Espírito.6 E vós dizeis: «É digno e justo». Pois quando damos graças nós fazemos algo digno e justo. Ele nos beneficiou não com a justiça, mas além de toda justiça, fazendo-nos dignos de grandes bens.
Anáfora, prece de louvor
6 Depois disso mencionamos o céu, a terra e o mar, o sol e a lua, os astros, toda criatura racional e irracional, visível e invisível, os anjos e arcanjos, as virtudes, dominações, principados, potestades, tronos, os querubins de muitas faces e, com vigor, dizemos com Davi: «Celebrai comigo o Senhor». Lembramo-nos ainda dos serafins, que Isaías, no Espírito Santo, contemplava. Estavam colocados em círculo ao redor do trono de Deus. Com duas asas cobriam o rosto, com outras duas os pés, e com mais duas voavam e diziam: «Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos».9 Por isso recitamos essa doxologia que nos foi transmitida pelos serafins, para que neste canto nos associemos aos exércitos celestes.
Epiclese
7 Depois de santificados por esses hinos espirituais, suplicam
os ao Deus benigno que envie o Espírito Santo sobre os dons colocados, para fazer do pão corpo de Cristo e do vinho sangue de Cristo. Pois tudo o que o Espírito Santo toca é santificado e transformado.
Intercessões
8 Em seguida, realizado o sacrifício espiritual, o culto incruento, em presença dessa vítima de propiciação, invocamos a Deus pela paz comum das igrejas, pelo bem-estar do mundo, pelos imperadores, pelos exércitos e aliados, pelos doentes, pelos aflitos e, em geral, todos nós rezamos por todos aqueles que têm necessidade de socorro e oferecemos essa vítima.
9 Depois fazemos menção dos que adormeceram, primeiro dos patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, para que Deus, por suas preces e intercessão, aceite nossa súplica. Depois ainda rezamos pelos santos padres, bispos adormecidos e, enfim, por todos os que nos precederam, persuadidos de que será de máximo proveito para as almas, pelas quais a súplica é elevada ante a santa e tremenda vítima.
10 E quero persuadir-vos com um exemplo. Sei que muitos dizem: Que aproveita à alma que parte deste mundo com faltas ou sem elas, se é mencionada na oferenda [eucarística]? Porventura, se um rei banisse aos que se rebelaram contra ele, e se em seguida seus companheiros, trançando uma coroa, a presenteiam ao rei em favor dos condenados, não lhes concederá a remissão dos castigos? Do mesmo modo nós também, apresentando a Deus as súplicas pelos adormecidos, embora tenham sido pecadores, nós não trançamos uma coroa, mas apresentamos o Cristo imolado por nossos pecados, tornando propício em favor deles e em nosso o Deus benigno.
O "Pater"
11 Depois disso, tu dizes aquela oração que o Salvador transmitiu aos discípulos, atribuindo a Deus, com pura consciência, o nome de Pai e dizes: «Pai nosso, que estás nos céus». Ó incomen-surável benignidade de Deus! Aos que o tinham abandonado e jaziam em extremos males, é concedido o perdão dos males e a participação da graça, a ponto de ser invocado como Pai. Pai nosso que estás nos céus. Os céus poderiam bem ser os que portam a imagem do celestial, nos quais Deus habita e vive.
12 «Santificado seja teu nome». Santo é por natureza o nome de Deus, quer o digamos ou não. Mas uma vez que naqueles que pecam por vezes é profanado, segundo o que se diz: «Por vós meu nome é continuamente blasfemado entre as nações», oramos que em nós o nome de Deus seja santificado. Não que por não ser santo chegue a sê-lo, mas porque em nós ele se torna santo quando nos santificamos e praticamos obras dignas de santificação.
13 «Venha o teu reino». É próprio de uma alma pura dizer com confiança: «Venha o teu reino». Quem ouviu Paulo dizer: «Que o pecado não reine em vosso corpo mortal» e se purificar em obra, pensamento e palavra, dirá a Deus: «Venha o teu reino».
14 «Seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra». Os divinos e bem-aventurados anjos de Deus fazem a vontade de Deus, como Davi dizia no salmo: «Bendizei ao Senhor, todos os seus anjos, heróis poderosos, que executais sua palavra». Rezando, pois, com vigor, dize isto: como nos anjos se faz a tua vontade, Senhor, assim na terra se faça em mim.
15 «Nosso pão substancial dá-nos hoje». O pão comum não é substancial. Mas este pão é substancial, pois se ordena à substância da alma. Este pão não vai ao ventre nem é lançado em lugar escuso mas se distribui sobre todo o organismo, em proveito da alma e do corpo. O «hoje» equivale a dizer de «cada dia» , como também dizia Paulo: «Enquanto perdura o hoje».
16 «E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores». Temos muitos pecados. Caímos, pois, em palavra e em pensamento e fazemos muitas coisas dignas de condenação. «E se dissermos que não temos pecado, mentimos», como diz João. Fazemos com Deus um pacto pedindo-lhe nos perdoe nossos pecados como também nós perdoamos ao próximo suas dívidas. Tendo presente, portanto, o que recebemos em troca do que damos, não sejamos negligentes, nem deixemos de perdoar uns aos outros. As ofensas que se
nos fazem são pequenas, simples, fáceis de reconciliar. As que nós fazemos a Deus são enormes e temos necessidade só de sua benignidade. Cuida, então, que por faltas pequenas e simples contra ti não te excluas do perdão, por parte de Deus, dos pecados gravíssimos.
17 «E não nos induzas em tentação», Senhor. Porventura com isto o Senhor nos ensina a pedir que de modo algum sejamos tentados? Como se encontra em outro lugar: «Aquele que foi tentado não tem experiência» e ainda: «Tende por suma alegria, meus irmãos, se cairdes em diversas provações»? Mas jamais entrar em tentação é o mesmo que ser submerso por ela. A tentação, pois, se assemelha a uma torrente difícil de atravessar. Os que, então, não são submersos nas tentações, atravessam, como bons nadadores, sem serem arrastados pela corrente. Os que não são assim, uma vez que entram, são submersos. Assim, por exemplo, Judas, entrando na tentação da avareza, não passou a nado, mas, submergindo, afogou-se corporal e espiritualmente. Pedro entrou na tentação de negação, mas, tendo entrado, não submergiu; antes, nadando com vigor, se salvou da tentação,
Escuta novamente, em outro lugar, o coro dos santos todos rendendo graças por terem sido subtraídos à tentação: «Tu nos provaste, ó Deus, acrisolaste-nos como se faz com a prata. Dei-xaste-nos cair no laço; carga pesada puseste em nossas costas; submeteste-nos ao jugo dos tiranos. Passamos pelo fogo e pela água, mas tu nos conduziste ao refrigério». Tu os vês falar abertamente de sua travessia sem serem vencidos? «Tu nos conduziste ao refrigério». Chegar ao refrigério é ser livrado da tentação.
18 «Mas livra-nos do Mal». Se a expressão «não nos induzas em tentação» significasse não sermos de modo algum tentados, não se diria: «Mas livra-nos do Mal». O Mal é o demônio, nosso adversário, do qual pedimos ser libertos.
Depois, terminada a prece, dizes: «amém», selando com este amém ? que significa «faça-se» ? o que se contém na oração ensinada por Deus.
Comunhão
19 Depois disso, diz o sacerdote: «As coisas santas aos santos». As coisas são as oferendas aí colocadas, pois receberam a vinda do Espírito Santo. Santos sois também vós, julgados dignos do Espírito Santo. As coisas santas, então, convêm aos santos. Em seguida vós dizeis: «Um é o santo, um o Senhor, Jesus Cristo». Verdadeiramente um é o santo, santo por natureza. Nós, porém, se santos, o somos não pela natureza, mas pela participação, ascese e prece.
20 Depois dessas coisas, ouvis o cantor que, com uma melodia divina, vos convida à comunhão dos santos mistérios, dizendo: «Provai e vede como o Senhor é bom». Não confieis o julgamento ao gosto corporal, mas à fé inabalável. Pois provando não provais pão e vinho, mas o corpo e sangue de Cristo que aqueles significam.
21 Ao te aproximares [da comunhão], não vás com as palmas das mãos estendidas, nem com os dedos separados; mas faze com a mão esquerda um trono para a direita como quem deve receber um Rei e no côncavo da mão espalmada recebe o corpo de Cristo, dizendo: «Amém». Com segurança, então, santificando teus olhos pelo contato do corpo sagrado, toma-o e cuida de nada se perder. Pois se algo perderes é como se tivesses perdido um dos próprios membros. Dize-me, se alguém te oferecesse lâminas de ouro, não as guardarias com toda segurança, cuidando que nada delas se perdesse e fosses prejudicado? Não cuidarás, pois, com muito mais segurança de um objeto mais precioso que ouro e pedras preciosas, para dele não perderes uma migalha sequer?
22 Depois de teres comungado o corpo de Cristo, aproxima-te também do cálice do seu sangue. Não estendas as mãos, mas inclinando-te, e num gesto de adoração e respeito, dize «amém». Santifica-te também tomando o sangue de Cristo. E enquanto teus lábios ainda estão úmidos, roça-os de leve com tuas mãos e santifica teus olhos, tua fronte e teus outros sentidos. Depois, ao esperares as orações [finais], rende graças a Deus que te julgou digno de tamanhos mistérios.
23 Conservai inviolavelmente essas tradições e vós mesmos guardai-vos sem
ofensa. Não vos separeis da comunhão nem pela mancha do pecado vos priveis desses santos e espirituais mistérios. «O Deus da paz santifique-vos completamente. Conserve-se inteiro o vosso espírito, e a vossa alma e o vosso corpo sem mancha, para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo», a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém.
Tradução: fr. Frederico Vier, O.F.M.
Fonte: www.padresdodeserto.net
Formatação: Maria